segunda-feira, 4 de julho de 2011

É tempo de fé - Por Rita de Podesta


Já era o segundo dia do 12º Festival de Cenas Curtas, mas o clima era de abertura. Enquanto o primeiro dia foi marcado pelas cenas concorrentes ao projeto Cena-Espetáculo, que escolherá uma cena para tornar-se peça, foi na última quinta-feira (23) que as cenas curtas tiveram seus quinze minutos de palco. A receptividade era cênica. O Galpão exala teatro e inevitavelmente fui asfixiada por diálogos, gestos e pessoas reais ou inventadas.

Após pipocas, amendoins e bebidas oferecidos por personagens em trajes provocantes, começou a primeira cena, Dê uma última olhada nas coisas belas. Um drama existencial, que se afoga nos discursos cotidianos da nossa sociedade por mim não rotulada (não me disseram o que vem depois do pós-moderno). No palco o drama ganhou força num discurso de palavras rebuscadas, uma vez que a língua portuguesa permite belos desabafos. A iluminação criava em uma das atrizes a ilusão de uma cela, enquanto sua colega de palco divagava sobre o desaparecer e era contemplada com o ritual do abandono. Passando pela Virgínia de Lygia Fagundes, que diz ser preciso aprender amar o a beleza do inútil, até o belo sofrido de Frida Kahlo, a cena acabou por retratar bem a angústia no papel da mãe agonizante. Um desassossego bem Pessoano: “há momentos em que tudo cansa, até o que nos repousaria.”

Repouso que pode ser representado pela morte, o descansar para sempre, e que me leva direto a terceira cena, Conversa séria de calcinha e soutien, uma imagética e cômica reflexão sobre a eternidade. Com discursos loucos, eróticos e infantis, o grupo mascarado como em ritos egípcios, fantasiam-se para o além da vida. Me vi inserida num manicômio e fiquei perdida procurando o real foco da discussão que pareceu tomar mais do que quinze minutos, um repouso bem movimentado.

Já na segunda cena, Makunaíma: em a árvore do mundo e a grande enchente, fácil foi deixar o sorriso solto e encantar-se com a infantil personalidade de Macunaíma na representação de cinco irmãos em busca de comida. Apesar do que, sem uma bela sinopse fica difícil entender a trama. Como na história de Mario de Andrade (retrocedemos ao moderno) a cena é um universo de metamorfoses, e com peripécias, no caso de heróis, motivados, sobretudo, pela indolência e erotismo. Os diálogos dos cinco personagens se davam nos murmúrios e gritos indecifráveis do único ator. Uma representação primorosa nos gestos e movimentos, mas senti falta de algo maior, do questionamento sobre a nossa terra hoje transformada, com o encantamento solapado.

Encantamento que me leva a última cena, Sobre-viventes, uma deliciosa provocação à busca por ideais, sejam modernos ou pós-modernos. Religião, estética, drogas, sexo, tropicalismo, liberdade, auto-ajuda e o escambal! Tudo discutido por dois personagens estereotipados como deveriam ser: um homem e uma mulher na sua mais perfeita indefinição sexual. Entretanto, o personagem principal era o cenário. Representação do caótico, com música, bebidas, e um liquidificador, símbolo maior da destruição do uno para unificar-se ao todoUma maneira de retratar a decadência da busca por ideais coletivos, com um humor que para mim têm seu lugar, mesmo quando caem no clichê. E, por isso, nada melhor do que terminar com Caio Fernando Abreu, desejando ao outro uma fé enorme em qualquer coisa.
É isso, para mim fé resume bem as cenas de quinta. Uma fé enorme no discurso caótico, literário, humorístico, performático. Uma fé necessária para acreditar nas palavras ou gestos, para conseguir transmitir em quinze minutos, questionamentos universais e, ao mesmo tempo, extremamente pessoais – seja lá em qual período histórico estivermos.

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